
O terror sempre encontra novas formas de renascer no cinema, seja reciclando ideias clássicas ou bebendo diretamente de outras mídias. No entanto, quando uma adaptação chega às telas, o público costuma criar expectativas bem altas, principalmente quando o material original carrega um legado de fãs fiéis. Until Dawn: Noite de Terror é exatamente esse tipo de caso. Inspirado no aclamado jogo Until Dawn (lançado em 2015 pela Supermassive Games), o filme prometia mergulhar o espectador em uma experiência sangrenta, claustrofóbica e repleta de escolhas fatais. Entretanto, a entrega não alcança o que poderia ter sido, deixando a sensação de que o título foi usado como isca para atrair curiosos, sem oferecer a mesma profundidade e atmosfera que marcaram o game.
Ainda assim, a obra traz alguns pontos interessantes para quem gosta de entretenimento violento e exagerado, misturando elementos sobrenaturais, assassinos mascarados e até a figura aterrorizante do wendigo — uma criatura mitológica que carrega peso cultural tanto em lendas indígenas da América do Norte quanto no próprio jogo. Para compreender melhor o que funciona e o que se perde nessa adaptação, é necessário destrinchar tanto a trama quanto suas referências.
Repetição, Morte e a Maldição de Glore Valley

A narrativa do filme acompanha Clover, sua irmã desaparecida Melanie e um grupo de amigos formado por Max, Nina, Megan e Abe. O ponto inicial é simples, mas carrega uma boa dose de mistério: eles tentam refazer os passos de Melanie, desaparecida em circunstâncias estranhas. A busca os leva até um posto de gasolina, onde conhecem Hill, um frentista que alerta sobre os perigos de Glore Valley, uma cidade de mineração cercada de histórias de desaparecimentos.
Esse detalhe já acende uma luz vermelha para quem conhece o gênero. A cidade isolada, as advertências ignoradas e o grupo de jovens que insiste em seguir em frente são elementos clássicos do terror. O filme se ancora em muitos desses clichês, mas tenta adicionar um tempero novo com a ideia do laço temporal.
Assim que os personagens são mortos brutalmente por um agressor mascarado, eles acordam no início da mesma noite, presos em um ciclo interminável. O artifício do tempo se repetindo não é novo — obras como O Feitiço do Tempo e A Morte te Dá Parabéns já usaram o recurso de maneiras criativas —, mas aqui a proposta é combiná-lo ao estilo do slasher e a uma atmosfera sobrenatural. A cada reinício, novos detalhes aparecem: cartazes de pessoas desaparecidas, registros em um livro de visitas e a terrível revelação de que a noite só pode se romper após treze mortes.
Esse ponto é essencial porque dialoga diretamente com a mecânica do jogo. Em Until Dawn, cada decisão do jogador podia significar a vida ou a morte de um personagem, e o enredo se moldava a partir disso. No filme, a repetição temporal tenta replicar a sensação de múltiplas tentativas e destinos diferentes, mas acaba soando confusa e mal explicada. O espectador casual pode sentir dificuldade em acompanhar as regras desse ciclo, já que elas são apresentadas de forma truncada e sem clareza.
O uso do wendigo também não passa despercebido. No jogo, essa criatura é central para o desenvolvimento da trama e carrega um peso simbólico enorme, representando a transformação humana causada pelo canibalismo e pela maldição da montanha. No filme, o monstro aparece como ameaça, mas sua origem e relação com os personagens são tratadas de forma superficial. Para quem não conhece o jogo, a aparição pode soar apenas como mais um elemento monstruoso jogado na tela. Já para os fãs, a decepção é inevitável, pois o vínculo narrativo que existia na obra original se perde.
O anúncio do longa gerou entusiasmo, especialmente porque nomes de peso estavam envolvidos. A direção ficou com David F. Sandberg, responsável por filmes de terror como Quando as Luzes se Apagam e Annabelle 2: A Criação do Mal. O roteiro passou pelas mãos de Gary Dauberman, conhecido por trabalhar na franquia Invocação do Mal e em It: A Coisa. Além disso, a produção contou com a participação da PlayStation Productions e da Screen Gems, o que dava a entender que haveria respeito à obra original.
No entanto, o resultado final distancia-se bastante do que os fãs esperavam. A conexão com o jogo é mínima, quase decorativa. Personagens icônicos como o Dr. Hill, interpretado por Peter Stormare no game, não retornam em sua função original, e até mesmo a ambientação perde força. O jogo se passava em um chalé isolado nas montanhas, onde a neve e o clima hostil criavam uma sensação constante de perigo. Já o filme escolhe o ambiente de Glore Valley, que poderia ser interessante, mas acaba não recebendo a atenção necessária para construir atmosfera.
Outro problema é a forma como a narrativa se alonga em pontos desnecessários e corre em momentos cruciais. O espectador tem a impressão de que algumas mortes acontecem apenas para preencher a contagem, sem carga emocional ou consequência real. O excesso de clichês, como o carro que falha na hora da fuga ou o casal discutindo em meio ao caos, reforça ainda mais a ideia de que a produção optou pelo caminho mais fácil.
Apesar disso, não se pode negar que há tentativas de inovar. A cena em que os personagens percebem seus próprios cartazes de desaparecidos no mural, por exemplo, é visualmente impactante e poderia ter sido explorada com mais profundidade. Além disso, a revelação de que apenas uma morte definitiva poderia romper o ciclo abre espaço para discussões interessantes sobre sacrifício, lealdade e sobrevivência. Infelizmente, o roteiro não sustenta essas ideias até o final, preferindo encerrar de forma rápida e exagerada.
Quando analisamos como adaptação, o filme falha em capturar a essência de Until Dawn. A proposta original do jogo era justamente colocar o jogador no controle, lidando com as consequências de cada escolha em um ambiente hostil. Ao retirar esse fator interativo, o longa deveria compensar com construção de personagens mais sólida e atmosfera envolvente, mas acaba entregando algo genérico.
Until Dawn: Noite de Terror não é um filme que deixará marcas duradouras no gênero. Ele pode até divertir quem busca uma experiência rápida, sangrenta e exagerada, mas não oferece profundidade ou inovação. Para os fãs do jogo, a sensação é de frustração: o título serve mais como chamariz do que como promessa cumprida. A falta de ligação com o material original é gritante, e o que poderia ser uma adaptação memorável se transforma em mais um slasher descartável.
No fim das contas, a impressão é que o nome Until Dawn foi usado como uma estratégia de marketing para atrair público, sem o cuidado de traduzir a atmosfera e a força narrativa do jogo. Isso não significa que a obra seja totalmente inútil — ela pode funcionar como entretenimento casual em uma noite de diversão entre amigos, mas dificilmente conquistará espaço entre os grandes títulos do terror moderno.
Agora queremos saber de você, leitor do Stay Alive:
Você já assistiu Until Dawn: Noite de Terror? Acha que adaptações de jogos devem ser fiéis ao material original ou podem se reinventar completamente?
Compartilhe: