
O universo do terror sempre encontra novas maneiras de mexer com o imaginário coletivo, mas poucas franquias recentes conseguiram manter uma base de fãs tão dedicada quanto a série Invocação do Mal. Dentro desse vasto conjunto de histórias inspiradas em casos paranormais, surgiu em 2018 o longa A Freira, que apresentou ao público a entidade demoníaca Valak, uma das figuras mais perturbadoras já retratadas no gênero. Agora, com a estreia de A Freira 2 em 2023, o público volta a ser confrontado com a presença sufocante dessa força maligna, mas desta vez em um enredo mais refinado, que mistura referências históricas, símbolos religiosos e um novo olhar sobre a fé.
Diferente de uma sequência rasa, este segundo capítulo aprofunda a mitologia construída no primeiro filme e traz de volta personagens marcantes como a Irmã Irene, vivida por Taissa Farmiga, e o ator Jonas Bloquet no papel de Maurice, também conhecido como “Frenchie”. Além disso, o longa conecta elementos que os fãs do Universo Invocação do Mal já conhecem, ampliando a compreensão sobre como Valak se insere nessa linha temporal. Para quem não é iniciado nesse universo, a narrativa pode parecer apenas mais uma história de sustos, mas há muito mais escondido em cada símbolo, cada local e até nos pequenos detalhes que compõem o pano de fundo.
Portanto, entender “A Freira 2” é também compreender como a franquia tem construído uma rede de significados que dialoga tanto com a fé quanto com o medo mais íntimo do ser humano: a presença de um mal invisível e inevitável.
O Terror na França de 1956

A trama de A Freira 2 começa na França, em 1956, quando o padre Noiret e seu coroinha Jacques testemunham algo impossível de ignorar. Dentro de uma igreja em Tarascon, o padre é brutalmente atacado por uma força sobrenatural. Seus ossos são quebrados, ele é suspenso no ar e, em seguida, incinerado diante dos olhos do jovem acólito. Esse momento não é apenas um susto inicial para impressionar o espectador: ele define a presença avassaladora de Valak e sua busca incessante por poder.
Poucos anos após os eventos no mosteiro de Santa Carta, vistos no primeiro filme, encontramos novamente a Irmã Irene em um convento na Itália. Diferente da jovem vulnerável que precisou enfrentar o inimaginável anteriormente, agora ela se mostra mais madura e consciente de sua missão. No entanto, a ameaça que retorna não é algo que se combate apenas com fé, mas também com coragem diante de um inimigo astuto.
A narrativa se conecta de forma orgânica ao universo já estabelecido. A Igreja, percebendo uma série de mortes violentas envolvendo padres e freiras em toda a Europa, acredita que Valak está por trás disso. Para o público mais atento, esse detalhe mostra a expansão do mal para além de um único local, reforçando a ideia de que o demônio não busca apenas vítimas, mas um objetivo maior.
É nesse ponto que entra a importância de Maurice, o “Frenchie”. Antes retratado como um personagem carismático, ele agora aparece profundamente ligado à entidade, revelando-se hospedeiro da possessão demoníaca. Esse detalhe, para quem acompanha o universo, é essencial: Maurice é a ponte entre os acontecimentos de “A Freira” e as futuras conexões com os Warren, personagens centrais da franquia principal.
O grande diferencial de A Freira 2 está na forma como o filme utiliza símbolos religiosos e históricos para fortalecer sua narrativa. Entre eles, os Olhos de Santa Lúcia ganham destaque. Segundo a tradição, Santa Lúcia foi martirizada e submetida às chamas, mas milagrosamente resistiu ao fogo. Seus olhos, conservados como relíquia, tornaram-se símbolo de proteção contra as forças das trevas.
Valak, no entanto, busca exatamente esse artefato. A escolha desse objeto não é aleatória: representa a eterna luta entre luz e escuridão, fé e profanação. Para quem não está familiarizado, Santa Lúcia é uma figura venerada pela Igreja Católica como protetora da visão, o que adiciona uma camada simbólica à trama — a visão espiritual contra a cegueira imposta pelo mal.
Outro ponto que merece atenção é o uso do vitral com a imagem da cabra, observado na escola onde Maurice trabalha. Quando os raios do sol atravessam o vidro, os olhos da figura ganham uma tonalidade vermelha intensa. Essa cena não serve apenas como recurso visual: a cabra é um símbolo historicamente associado ao satanismo e à representação do demônio. Assim, o filme constrói um paralelo entre elementos culturais e religiosos que reforçam a sensação de que o mal está sempre à espreita.
A narrativa também apresenta o Palácio dos Papas, em Avignon, como ponto crucial da investigação. Esse local não foi escolhido ao acaso: trata-se de um espaço real, carregado de significado histórico, que remete ao poder e à autoridade da Igreja Católica durante séculos. Ao utilizá-lo como cenário, a produção cria uma ponte entre fatos históricos e ficção, aumentando o peso dramático da trama.
A Construção de Personagens e a Crítica

Os personagens desempenham um papel central no impacto de “A Freira 2”. A Irmã Irene, interpretada novamente por Taissa Farmiga, ganha mais profundidade. Sua fé continua sendo sua principal arma, mas agora ela enfrenta dilemas mais complexos, que envolvem não apenas derrotar Valak, mas também compreender sua ligação com as relíquias e com a própria Igreja. Essa evolução torna a personagem mais interessante e menos dependente de situações externas para brilhar.
Maurice, por sua vez, é um dos pontos mais intrigantes. O contraste entre seu lado humano e a possessão demoníaca conduz boa parte da tensão. Para o público que se recorda de sua participação no primeiro filme, ver sua transformação é um lembrete de que o mal raramente é explícito desde o início — ele se infiltra de maneira lenta e devastadora.
Já a introdução da noviça Debra, vivida por Storm Reid, adiciona frescor à narrativa. Sua presença cria um contraponto para Irene, mostrando diferentes formas de encarar a fé e o medo. Essa dinâmica entre as duas é fundamental para o desenrolar da trama.
No entanto, quando falamos em crítica cinematográfica, é necessário apontar os altos e baixos. A primeira metade do filme se concentra em sustos isolados, que podem soar repetitivos para espectadores mais exigentes. Muitos desses momentos parecem depender excessivamente de efeitos de CGI, o que às vezes prejudica a imersão. O excesso de computação gráfica, especialmente em filmes de terror, tende a afastar a atmosfera realista que o público aprecia.
Por outro lado, a segunda metade consegue recuperar o fôlego. Quando a trama finalmente conecta todos os elementos — relíquias, símbolos, personagens —, a narrativa cresce em intensidade. Nesse ponto, os efeitos práticos ganham espaço e funcionam melhor, criando cenas mais convincentes e impactantes. Assim, mesmo com alguns tropeços, “A Freira 2” consegue entregar um resultado que supera o primeiro filme, ao menos em consistência e em conexão com o universo maior.
A Freira 2 é mais do que apenas uma continuação: é uma peça fundamental dentro do quebra-cabeça que compõe o Universo Invocação do Mal. Apesar de alguns momentos de ritmo irregular e do uso exagerado de CGI, o filme consegue ampliar a mitologia da franquia e reforçar a presença de Valak como uma das entidades mais memoráveis do cinema de terror contemporâneo.
Ao trazer reflexões sobre fé, símbolos religiosos e a luta constante contra forças invisíveis, o longa não se limita a causar sustos momentâneos. Ele propõe uma narrativa que dialoga com a espiritualidade, a história e a vulnerabilidade humana diante do mal. E mesmo que alguns detalhes possam passar despercebidos para quem não conhece profundamente o universo da franquia, o filme oferece camadas ricas para análise.
Para os fãs de terror, “A Freira 2” é uma experiência que mistura tensão, simbolismo e momentos de verdadeira aflição. Para os que ainda não conhecem o universo expandido, é um convite para mergulhar em um conjunto de histórias interligadas, onde cada detalhe pode ser a chave para compreender a luta contra o mal absoluto.
E você, já assistiu A Freira 2? O que achou da forma como Valak foi retratada desta vez? Gostou da ligação com os Olhos de Santa Lúcia ou achou que o filme poderia ter seguido outro caminho?
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