
O universo do terror sempre buscou símbolos que traduzissem o medo do inexplicável, e em 2018 surgiu um dos mais marcantes dessa geração: A Freira (The Nun). Com direção de Corin Hardy e produção de James Wan, o longa não apenas expandiu a franquia Invocação do Mal, mas também trouxe para o público uma das figuras mais perturbadoras do cinema de horror moderno. Lançado em 6 de setembro de 2018 no Brasil, o filme mergulha nas raízes da fé e da vulnerabilidade humana ao confrontar personagens em meio a uma entidade que veste a imagem de pureza para espalhar terror.
Embora muitos já conheçam Valak, o demônio apresentado em Invocação do Mal 2, nem todos sabem como sua origem foi pensada para impactar ainda mais a mitologia da franquia. Por isso, vamos analisar não apenas a trama, mas também os elementos que tornam A Freira um ponto essencial para compreender todo o Invocaverso.
Um Mosteiro Marcado pelo Mal

A trama começa em 1952, na Romênia, em um convento isolado chamado Mosteiro de Santa Carta. O local guarda um peso histórico fundamental: ele foi construído durante a Idade das Trevas como um castelo para o Duque de Santa Carta, um homem obcecado pelo ocultismo. Obcecado em romper a barreira entre o mundo humano e o espiritual, ele abriu uma fenda nos subterrâneos e trouxe à tona uma presença maligna. Esse detalhe não é apenas decorativo; é uma clara referência às histórias medievais de aristocratas ligados a práticas proibidas, que buscavam poder além da vida comum.
Embora os cavaleiros cristãos tenham conseguido conter a ameaça com uma relíquia sagrada — o Sangue de Cristo —, a Segunda Guerra Mundial mudaria tudo. Com os bombardeios, a fenda foi reaberta, permitindo que o mal retornasse. Esse elo com a guerra dá ao filme uma camada extra de realismo, lembrando ao espectador que até mesmo em períodos modernos, a humanidade ainda enfrentava cicatrizes do passado.
A narrativa ganha força quando conhecemos Irmã Victoria, uma freira que, após enfrentar a entidade, escolhe se enforcar para evitar ser possuída. Seu ato de sacrifício abre a história e simboliza a luta entre fé e desespero, dois elementos centrais que ecoam em toda a trama. É a partir dessa morte que o Vaticano envia seus representantes para investigar: o Padre Burke, um homem assombrado por falhas do passado, e a Irmã Irene, uma noviça que ainda não professou seus votos.
Esse ponto já mostra um contraste interessante: de um lado, alguém que carrega as cicatrizes de batalhas espirituais anteriores; do outro, uma jovem em formação, testando sua fé diante do inimaginável. O público é colocado no centro desse conflito espiritual, onde a inocência e a experiência se unem contra algo que ultrapassa a lógica.
Para quem não conhece o Invocaverso, Valak não é apenas um “monstro de filme de terror”. Ele tem raízes na demonologia tradicional, aparecendo em grimórios antigos, como o Clavícula de Salomão, descrito como um espírito poderoso. No entanto, James Wan e Gary Dauberman decidiram dar a esse demônio uma roupagem única: a figura de uma freira. Essa escolha não foi aleatória.
A imagem da freira carrega, para o imaginário coletivo, pureza, devoção e fé inabalável. Transformar essa representação em algo profano é, ao mesmo tempo, uma ofensa simbólica e uma estratégia narrativa inteligente. Ao inverter o símbolo do sagrado em instrumento do terror, o filme atinge o público de forma visceral, mexendo com crenças e desconfortos profundamente enraizados.
Durante a investigação, Burke e Irene descobrem que as freiras do convento estavam em constante oração, revezando-se para manter a entidade afastada. Contudo, a revelação mais perturbadora é que todas aquelas freiras que Irene acreditava ter visto eram apenas ilusões criadas pelo próprio demônio. Na verdade, Irmã Victoria foi a última freira viva da abadia, e seu sacrifício representava a última linha de defesa contra Valak.
Essa revelação não apenas aumenta a tensão, mas também coloca em evidência o poder de manipulação da entidade. Afinal, Valak não ataca apenas fisicamente; ele distorce a percepção da realidade, fazendo seus alvos acreditarem em verdades inexistentes. Isso eleva o terror psicológico do filme e reforça sua capacidade de mexer com os sentidos do espectador.
No desfecho, Irene, Burke e Frenchie (o aldeão que descobre o corpo de Victoria e passa a ajudar o grupo) conseguem usar novamente o Sangue de Cristo para selar a fenda. A cena em que Irene cospe o sangue diretamente no rosto de Valak se tornou marcante, porque resume a força da fé contra o mal, mesmo em circunstâncias de desespero absoluto.
Entretanto, o filme não fecha todas as portas. Frenchie, cujo verdadeiro nome é Maurice, acaba sendo possuído por Valak sem o conhecimento imediato dos outros personagens. Essa escolha narrativa conecta A Freira diretamente a Invocação do Mal, já que em um dos seminários ministrados por Ed e Lorraine Warren, Maurice aparece como exemplo de possessão demoníaca. Essa ligação transforma o spin-off em um elo crucial para quem deseja compreender a cronologia da franquia.
A Produção e o Lugar de A Freira no Invocaverso

A ideia de criar um filme centrado em Valak nasceu logo após o sucesso de Invocação do Mal 2. Em 2016, a Warner Bros. anunciou oficialmente o projeto, e James Wan, criador da franquia, assumiu a função de produtor, garantindo que o longa tivesse a mesma atmosfera dos anteriores. O roteiro passou por ajustes de David Leslie Johnson, Gary Dauberman e do próprio Wan, consolidando o tom sombrio que já era esperado pelos fãs.
Originalmente, o lançamento estava marcado para julho de 2018, mas foi adiado para setembro. Essa decisão pode ter favorecido ainda mais a bilheteria, já que o filme chegou às telonas próximo ao período de Halloween, quando o público naturalmente busca experiências de terror. O resultado foi um sucesso absoluto: A Freira arrecadou mais de 360 milhões de dólares mundialmente, tornando-se a produção mais lucrativa do Invocaverso.
Esse desempenho revela não apenas a força do marketing da franquia, mas também como a figura da freira demoníaca havia conquistado o imaginário popular. O rosto cadavérico, os olhos penetrantes e o hábito religioso distorcido se tornaram instantaneamente ícones do horror contemporâneo.
Além disso, a presença de Taissa Farmiga como Irmã Irene chamou a atenção do público, já que sua irmã mais velha, Vera Farmiga, interpreta Lorraine Warren nos outros filmes da franquia. Embora oficialmente não haja uma ligação entre as personagens, essa escolha de elenco gerou teorias e discussões entre fãs, o que aumentou ainda mais o engajamento em torno da obra.
O que faz de A Freira um filme tão marcante dentro da franquia não é apenas a criatura central, mas a forma como ele trabalha os elementos ao redor. A ambientação em um mosteiro medieval na Romênia reforça a sensação de isolamento e cria um cenário ideal para o desenvolvimento da tensão. Cada corredor escuro, cada vela acesa e cada oração em sussurros constrói uma atmosfera que mantém o espectador em alerta constante.
A direção de Corin Hardy, somada à fotografia carregada de sombras e contrastes, garante que o visual não apenas sustente o medo, mas também conte a história por meio da estética. A trilha sonora, com acordes graves e momentos de silêncio absoluto, amplifica os sustos e reforça a aura de opressão.
Críticos e fãs destacaram que o filme equilibra sustos tradicionais com momentos de construção de suspense, o que agrada tanto quem busca adrenalina imediata quanto quem prefere o terror psicológico. Ainda que alguns apontem falhas no desenvolvimento de personagens secundários, o consenso é que A Freira cumpre com eficiência a proposta de expandir o Invocaverso sem depender exclusivamente dos Warren.
Ao olhar para A Freira, percebemos que o filme não é apenas mais um spin-off, mas uma peça essencial para compreender a força narrativa do Invocaverso. Ele une história, fé e simbolismo em um enredo que dialoga com a tradição do terror e ao mesmo tempo desafia o espectador a enfrentar suas próprias crenças.
Com uma trama que mistura sacrifício, devoção e manipulação demoníaca, a obra entrega mais do que sustos: ela cria um ícone. Valak transcendeu as telas e se consolidou como uma das entidades mais reconhecíveis do cinema de horror atual.
E você, já assistiu A Freira? O que achou dessa representação do mal disfarçado de pureza? Deixe sua opinião nos comentários!
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