
O cinema de terror sempre buscou inspiração em mitos, crenças populares e histórias que atravessam gerações. No entanto, quando A Maldição da Chorona chegou aos cinemas brasileiros em abril de 2019, trouxe para a tela grande um dos contos mais temidos do folclore latino-americano: a lenda da Chorona. Para quem cresceu em países como México, Colômbia ou até mesmo regiões interioranas de outros países da América Latina, a figura dessa mulher vestida de branco, que vaga em prantos à beira de rios e lagos, é sinônimo de medo infantil e obediência forçada.
Muitos, no entanto, não conheciam essa entidade antes de o longa ser lançado. É por isso que entender a construção do filme exige ir além da narrativa apresentada e compreender as raízes culturais que deram origem à Chorona. O filme, dirigido por Michael Chaves e produzido por James Wan — o mesmo nome por trás da franquia Invocação do Mal —, aproveita esse imaginário coletivo para criar uma experiência que mescla sustos, drama familiar e elementos sobrenaturais.
Ainda que não seja considerado uma obra de destaque dentro do gênero, a produção conseguiu gerar discussões interessantes. Afinal, estamos diante de um exemplo de como Hollywood tenta adaptar lendas locais para um público global, mantendo algumas características originais, mas ao mesmo tempo suavizando ou reorganizando aspectos para caber dentro de uma fórmula comercial de terror.
A Lenda da Chorona e Suas Raízes Culturais

Para compreender a força do filme, é essencial primeiro mergulhar na história que inspira sua existência. A lenda da Chorona, chamada de La Llorona em espanhol, atravessa séculos de tradição oral. De acordo com a versão mais difundida, trata-se de uma mulher que, tomada pelo ciúme e pela fúria após ser traída pelo marido, acaba afogando seus próprios filhos. Logo após o crime, consumida pelo arrependimento, ela se mata no mesmo rio em que ceifou a vida das crianças.
No imaginário popular, a punição não foi apenas terrena. Presa a este mundo como espírito vingativo, a Chorona ficou condenada a vagar eternamente à procura de crianças para substituir os filhos que perdeu. Sua presença é marcada por lágrimas incessantes, um vestido branco e o som inconfundível de um choro que, em muitas regiões, foi usado como alerta para que os pequenos não se aventurassem sozinhos à noite. Pais contavam a lenda como forma de disciplinar os filhos, criando medo e obediência através do sobrenatural.
Assim como acontece com outras figuras do folclore mundial — como a Baba Yaga do leste europeu ou a Kuchisake-onna da cultura japonesa —, a Chorona se tornou mais que uma história assustadora. Ela é também um reflexo dos valores sociais de uma época, transmitindo lições sobre família, obediência e o perigo das paixões descontroladas.
No México, registros da lenda datam de 1673, período em que relatos de mães em prantos nas margens de rios começaram a circular. Essa cronologia reforça a sensação de que não estamos diante apenas de uma ficção inventada, mas de uma narrativa que ganhou força cultural ao longo dos séculos.
Ao trazer essa figura para o cinema, Michael Chaves e James Wan precisaram equilibrar dois aspectos: manter a essência que assusta aqueles familiarizados com a história e, ao mesmo tempo, tornar a personagem compreensível e impactante para o público global, que talvez nunca tivesse ouvido falar dela.
Depois de entender a origem da lenda, podemos olhar para a adaptação cinematográfica em si. A Maldição da Chorona se passa em Los Angeles, na década de 1970, e acompanha Anna Tate-Garcia (interpretada por Linda Cardellini), uma assistente social viúva que cria seus dois filhos sozinha. Ao investigar o caso de Patricia Alvarez, uma mãe acusada de maus-tratos, Anna se depara com artefatos de misticismo e um alerta enigmático: Patricia insiste que estava tentando proteger seus filhos de “ela”.
Apesar do aviso, Anna leva as crianças da mulher para o abrigo social, ignorando os sinais de que algo sobrenatural estava em curso. Pouco depois, os meninos são encontrados mortos, afogados em circunstâncias misteriosas. A tragédia não apenas recai sobre a própria Patricia, mas também sobre Anna e seus filhos, que passam a ser perseguidos pela Chorona.
Um ponto que muitos espectadores talvez não percebam é a ligação indireta com o universo Invocação do Mal. O padre Perez, interpretado por Tony Amendola, já havia aparecido em Annabelle (2014), conectando as histórias de forma sutil. Esse recurso não transforma o filme em parte central da franquia, mas serve como uma estratégia para atrair fãs fiéis que buscam reconhecer rostos familiares e perceber conexões ocultas.
Além disso, o filme se apoia fortemente no recurso dos jumpscares, que são aquelas aparições súbitas com sons altos que fazem o público pular da cadeira. Diferente de outros filmes do gênero, que constroem o medo de maneira mais lenta e psicológica, A Maldição da Chorona aposta em sustos diretos, fáceis de consumir por um público que busca adrenalina imediata.
Críticos apontam que, em comparação com outros títulos da franquia, a obra não alcança o mesmo nível de profundidade. Ainda assim, é importante reconhecer que, para muitos, o longa funciona como entretenimento rápido e acessível. Ele não pretende ser uma experiência densa, mas sim entregar momentos de tensão que se resolvem logo em seguida, mantendo o ritmo leve e comercial.
Outro detalhe relevante está no elenco. Linda Cardellini, conhecida por papéis em dramas e produções adolescentes, entrega uma atuação convincente como mãe desesperada. Já Patricia Velásquez e Raymond Cruz adicionam camadas ao conflito, incorporando personagens que equilibram misticismo e racionalidade. A própria Chorona, vivida por Marisol Ramirez, impressiona com um visual clássico: véu branco, vestido arrastando no chão e expressão de dor eterna.
Assim, o filme se constrói como um híbrido. De um lado, oferece uma porta de entrada para quem nunca ouviu falar da lenda mexicana. Do outro, serve como mais um título dentro do “guarda-chuva” de James Wan, que sabe vender terror com embalagens diferentes, mas dentro de um mesmo padrão reconhecível.
A Maldição da Chorona não é um divisor de águas no cinema de terror, mas também não deve ser descartado como uma produção irrelevante. Ele consegue, ainda que com um roteiro simples e previsível, introduzir ao público global uma das figuras mais emblemáticas do folclore latino-americano. Para quem já conhecia a história, talvez a adaptação soe diluída. Contudo, para quem nunca ouviu falar da Chorona, o filme funciona como uma porta de entrada para um universo cultural rico e assustador.
Embora a crítica aponte limitações no roteiro e excesso de jumpscares, há de se reconhecer o mérito em trazer uma lenda tão enraizada no imaginário popular para o centro das atenções. Afinal, poucas entidades sobrenaturais carregam o peso de séculos de tradição oral e conseguem se manter tão vivas quanto a Chorona, lembrando que na minha opnião, o filme foi bem mediano.
Portanto, se você é fã de terror e procura uma experiência direta, poucos sustos e com uma base cultural interessante, vale a pena conferir essa produção.
E você, já conhecia a lenda da Chorona antes do filme? Acha que Hollywood fez justiça à história ou preferiria uma versão mais fiel ao folclore mexicano?
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