
Os fãs de filmes de terror sabem que poucas imagens são tão perturbadoras quanto a de uma boneca de porcelana com um sorriso enigmático e olhos fixos. Quando Annabelle chegou aos cinemas em 2014, a expectativa era alta — afinal, ela vinha como derivada direta de Invocação do Mal (2013), um dos filmes mais comentados e assustadores da década. Mas, apesar de trazer um pano de fundo intrigante e momentos de tensão, o filme acabou entregando um clima diferente do que muitos esperavam.
Ainda assim, há muito o que analisar e descobrir por trás dessa produção, principalmente para quem não conhece a fundo a ligação com o universo de Ed e Lorraine Warren.
As Origens Cinematográficas

Antes de mais nada, é preciso entender que Annabelle não nasceu como uma história isolada. A boneca já havia feito sua estreia na cena de abertura de Invocação do Mal, em um momento que apresentou Ed e Lorraine Warren — investigadores paranormais reais — ajudando três jovens aterrorizados por uma boneca supostamente assombrada. Essa introdução deixou claro que havia algo sinistro por trás do objeto, mas o filme de 2014 optou por voltar no tempo e contar sua “versão cinematográfica” de origem.
O enredo se passa em 1967, um ano antes dos eventos mostrados em Invocação do Mal. A história acompanha John e Mia Form, um casal que espera seu primeiro filho. Em um gesto carinhoso, John presenteia Mia com uma boneca rara, algo que ela vinha procurando há muito tempo. Colocada ao lado de outras peças da coleção, a nova aquisição parece inofensiva — pelo menos até que a noite cai.
Nesse ponto, o filme já planta um detalhe que o público mais atento percebe: o sobrenome “Higgins” dos vizinhos não é aleatório. Mais tarde, descobrimos que Annabelle Higgins, uma jovem envolvida com cultos satânicos, invade a casa dos Form junto com seu namorado. O casal comete um duplo homicídio e tenta atacar Mia, mas a polícia intervém. A jovem Annabelle se suicida segurando a boneca, e o sangue que escorre sobre o brinquedo serve como catalisador para os eventos sobrenaturais que seguem.
O roteiro apresenta esse elemento como peça-chave para a manifestação demoníaca. Para quem não está familiarizado com o gênero, é importante ressaltar: em várias tradições de terror, objetos se tornam “portas” ou “âncoras” para entidades, especialmente quando envolvidos em rituais ou mortes violentas. Aqui, a boneca não é exatamente possuída pela alma de Annabelle Higgins; ela é, na verdade, um canal para algo muito mais sombrio.
Após o ataque, John e Mia tentam seguir em frente. Mia, traumatizada, pede para se livrar da boneca. No entanto, mesmo depois de descartada, o brinquedo reaparece misteriosamente na nova casa da família, agora com a presença da recém-nascida Lea. É nesse momento que o filme deixa claro que o perigo não está ligado apenas à lembrança do crime, mas sim a uma força sobrenatural ativa.
Pequenos eventos estranhos começam a acontecer: portas se fecham sozinhas, objetos se movem, e figuras sombrias aparecem em relances. Embora muitos espectadores esperassem uma sequência de sustos repentinos — como em Invocação do Mal —, Annabelle opta por um ritmo mais lento, investindo em tensão psicológica. Isso gerou divisões entre o público: para alguns, a atmosfera constante de ameaça foi suficiente; para outros, faltou o impacto dos chamados jump scares.
Um dos momentos mais comentados é o ataque ao padre Pérez, interpretado por Tony Amendola. Ao tentar levar a boneca para a igreja, ele é atacado por uma entidade demoníaca de aparência grotesca, e a boneca desaparece. Aqui, o roteiro reforça o que já havia sido insinuado: o mal por trás de Annabelle não se trata de um espírito humano, mas de um demônio que busca uma alma humana — neste caso, a de Lea.
Outro destaque é Evelyn, vivida por Alfre Woodard. Dono de um passado trágico, marcado pela morte da filha Ruby, ela vê na situação de Mia uma oportunidade de redenção. A personagem introduz um elemento dramático que foge do terror puro, trazendo um sacrifício que garante um desfecho mais emotivo do que assustador.
Uma Produção Cercada por Histórias

Nos bastidores, Annabelle teve suas próprias curiosidades. Dirigido por John R. Leonetti e roteirizado por Gary Dauberman, o longa foi filmado em Los Angeles no início de 2014. Durante as gravações, membros da equipe relataram eventos estranhos no set, incluindo quedas de luzes e objetos caindo sem explicação. O diretor e o produtor chegaram a afirmar que o cenário parecia “assombrado”, o que ajudou a alimentar a campanha de marketing.
O elenco foi cuidadosamente escolhido para trazer autenticidade ao filme. Annabelle Wallis (Mia) e Ward Horton (John) foram confirmados ainda em janeiro de 2014, seguidos de Alfre Woodard, Eric Ladin e Brian Howe. O filme contou com um orçamento modesto de 6,5 milhões de dólares, mas teve um retorno de bilheteria impressionante, ultrapassando 66 milhões mundialmente antes mesmo de completar seu primeiro mês em cartaz.
Outro ponto que vale mencionar é que a Annabelle da vida real — que pertence ao acervo do Museu do Oculto dos Warren — não é como a boneca assustadora vista no filme. Na realidade, ela é uma boneca de pano Raggedy Ann, visualmente inofensiva. A mudança para um modelo de porcelana grotesco foi uma decisão puramente cinematográfica para intensificar o desconforto visual.
Quando foi lançado, Annabelle recebeu avaliações mistas. Parte da crítica considerou o filme um acerto por expandir o universo de Invocação do Mal e investir em um clima constante de ameaça. No entanto, muitos espectadores sentiram falta do ritmo e da intensidade de sustos do filme original. A comparação era inevitável: enquanto Invocação do Mal usava com maestria recursos sonoros e visuais para surpreender o público, Annabelle se apoiava mais na construção de atmosfera.
Alguns fãs elogiaram a maneira como o filme abordou cultos satânicos e a ideia de um mal impessoal e implacável. Outros, porém, classificaram a experiência como mais próxima de um suspense sobrenatural do que de um terror puro. De fato, essa é uma análise válida: ao invés de provocar medo constante, o longa mantém o espectador em alerta, esperando o momento em que a ameaça vai se concretizar.
Mesmo assim, para quem acompanha o universo criado por James Wan, o filme cumpre um papel importante. Ele estabelece uma narrativa de origem para um dos objetos mais famosos do cinema de horror moderno e cria ganchos que seriam explorados em produções posteriores, como Annabelle 2: A Criação do Mal e Annabelle 3: De Volta para Casa.
Se a expectativa for ver um festival de sustos, talvez Annabelle não seja o filme ideal. Mas se a intenção for mergulhar em uma história que mistura ocultismo, tragédia familiar e elementos sobrenaturais, ele entrega uma experiência satisfatória. É o tipo de obra que funciona melhor quando assistida no contexto do universo Invocação do Mal, pois ganha peso ao se conectar com eventos e personagens já conhecidos.
O mérito do filme está em criar uma sensação de desconforto constante, mesmo sem abusar de artifícios previsíveis. E, para alguns espectadores, isso é muito mais perturbador do que qualquer grito inesperado.
Agora é com você!
Você acha que Annabelle deveria ser considerada terror ou suspense sobrenatural? Qual cena mais te marcou no filme?
Compartilhe: